Ser feminista, por vozes múltiplas
Findou o mês de março, dubiamente chamado de “Mês da Mulher”. Dubiamente porque, se a designação tem por objetivo intensificar a luta contra a desigualdade e a violência que ainda atingem pessoas apenas por serem mulheres, ela também serve pra camuflar com tinta cor-de-rosa esses problemas. Muitas “homenagens” no dia 8 são a validação perversa da opressão contra a mulher, pois o que se exalta é a mística em torno da sua figura sacrificada frente ao outro – gerar vida, cuidar da família, ser paciente, doar-se sem medida.
O prêmio é ao sacrifício, pois mesmo quando se aplaude a mulher que disputa espaços públicos com homens no trabalho ou na política, invariavelmente a aura de “não sei como ela consegue” intui que ela siga dando conta de todo o resto que lhe é socialmente designado.
Sem isso, desaparece o componente que o senso comum associa ao “feminino”, restando a imagem de uma mulher dura, indiferente à maternidade, relapsa nos cuidados domésticos. E, pra essa, nada de biscoitinho (ou florzinha) do patriarcado.
É assim que cada “homenagem” dedicada às supermulheres, que fazem “milagre” para serem tão incríveis e ainda dóceis, lindas e felizes, carrega uma advertência velada a todas as mulheres: não falhem, ou te retiraremos do pedestal.
Por isso, segue necessário romper com a hipócrita romantização do Mês da Mulher. Homenagens a um ideal feminino pacato e conformado não encontram eco na realidade de luta das mulheres, em todos os campos, pelo seu direito de apenas ser.
Cabe então pensar o feminismo, em todas as suas matizes, como via de luta e (sobre)vivência coletiva das mulheres. Com essa ideia é que perguntamos às inspiradoras colaboradoras d’a Fala:
O que é, pra você, ser feminista? *
“Ser feminista é perceber, a certa altura, que nenhum passo até aqui foi solitário, que toda conquista retém a história das mulheres que me antecederam, que estão ao meu lado, que me cederam a vez. Por isso, tudo é e deve ser inteiro dessa responsabilidade. Pra frente, portanto, todo caminho só será caminhada se houver outras, se incluir a luta de todas, se projetar emancipação para mim na exata medida que projeta para todas, das muitas formas que somos todas.”
(Dani Balbi)
“Ser feminista significa lutar por direitos iguais, não só das mulheres, mas também dos homens. Se tornar feminista significa entender o que é ser mulher e todas as dificuldades que passamos e ressignificar essas dificuldades através de ações e da sororidade, ajudando umas as outras. É entender que ser mulher não significa gostar apenas de bonecas, mas também, buscar um sentido mais amplo para a vida e para as relações humanas. É promover a igualdade entre as mulheres, entre homens e mulheres e entre qualquer gênero. É conquistar direitos, modificar e reescrever políticas públicas. É humanizar as relações que nem sempre são humanizadas porque não somos ou ainda não temos os mesmos privilégios que os homens.”
(Antonella Guimarães Satyro)
“Para mim o feminismo traz orgulho em ser mulher. Tenho orgulho de empoderar as mulheres que cruzam meu caminho e de ser empoderada por elas. Enquanto nós não pararmos de morrer, apanhar, sofrermos abusos e violência. Enquanto não houver igualdade, nós não vamos parar. ‘Eu não serei livre enquanto houver mulheres que não são, mesmo que suas algemas sejam muito diferentes das minhas’ (Audre Lorde).”
(Thaiane Paschoal)
“Ser feminista é ser libertária. Quem é feminista pensa livremente. Não fica presa em besteiras, manuais. O feminismo liberta.”
(Ivy Farias)
“Ser feminista pra mim e muito mais que abraçar uma causa ou balançar uma bandeira. É ser a voz de várias mulheres que luta por respeito, igualdade, justiça, direitos iguais independente da cor, do tipo físico, sexualidade, religião, é ser uma potência de vozes que luta pelo meu direito pelo direito de todas as mulheres. Que não seja imposto ou tirado nenhum direito nosso. Viva nosso dia mulheres guerreiras.”
(Jéssica Teixeira)
“Ser feminista é conhecer a história das mulheres na nossa sociedade, reconhecer o meu papel e a minha própria história, me assenhorar dessa minha história, resignificar vivências e trabalhar por um mundo que seja mais gentil com as mulheres que virão.”
(Polianna Santos)
“Ser feminista pra mim está na compreensão de que cada um tem direito as suas escolhas. O feminismo ele está além dos corpos, ele é um processo de equidade, de garantia de direitos, uma militância que não pode e não deve servir só aos meus propósitos, mas sim ao direito do Outro, afina,l eu só me construo enquanto feminista e enquanto pessoa no relacionamento com o Outro!”
(Vitoria Santos)
“Pra mim, ser feminista é uma obrigação, “o mínimo” que uma mulher com um pouco de consciência e senso histórico pode ser, ou aspirar a ser. Ao mesmo tempo, é um enorme prazer. E ser feminista em 2018, presenciar a primavera feminista, ver as mulheres mudando o mundo a olhos vistos, se empoderando, se despindo, se amando… é um privilégio. A prática da sororidade é um exercício tão bonito e tão recompensador, e a sensação de pertencimento, essa não tem mesmo preço. O feminismo me é precioso, e a certeza de que as mulheres das gerações futuras terão uma vida melhor e mais justa graças ao que construímos hoje me enche de fé na vida. Ser feminista é uma escolha pra vida toda, mas uma escolha inevitável. Não dá pra não ser. E ainda bem que somos.”
(Flor Reis)
“Ser feminista é contestar as expectativas de gênero que são projetadas sobre nós. É procurar ser o que verdadeiramente somos, abandonando a busca pela integral adequação a papéis opressivos e disfuncionais.”
(Ana Lopes)
“É não se sentir obrigada a nada e demonstrar isso com atitudes, não com palavras!”
(Luiza Galmacci)
“Feminismo é amor, é respeito, é movimento. É entender que a luta para que cada uma seja o que quiser é uma luta de todos nós.”
(Gabi Lima)
“São tempos delicados para se falar em feminismo com propriedade, quando dar voz a um dos movimentos mais solitários do mundo é associado ao nazismo. Feminismo é empatia, é um olhar de respeito ao passado e de realismo ao presente. Para mim, é inadmissível viver sem carregar essa bagagem todos os dias. E passá-la adiante é um ato político.”
(Vivian Fioro)
“Ser feminista significa encarar a luta de todas as mulheres como sua e saber que essa luta é contínua e diária. É carregar bandeira. É reconhecer que não existe espaço, profissão ou cargo que não possamos ocupar. É valorizar o que é produzido por outras mulheres. Ser feminista é não ser uma, é ser todas.”
(Gabriela Freitas)
*Essa pergunta foi feita a elas ainda na semana do dia 8 de março. Mas no dia 14/3/2018, a brutal execução da Vereadora Marielle Franco, ao expor todas as entranhas de um sociedade classista, racista e misógina que segue como autômata rumo ao arbítrio absoluto, nos exigiu recolhimento. Primeiro, para tentar minimamente assimilar a realidade do acontecimento; depois, para escutar as narrativas que vêm sendo elaboradas, não sem tensão entre perspectivas – as quais no parecem igualmente legítimas e, quanto ao argumento, mais convergentes que excludentes. A isso voltaremos no blog, sem dúvida, quando amadurecido um texto que possa contribuir para o debate.
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